Jornada Nacional de Lutas, Brasília, 24/08/2011

sábado, 14 de novembro de 2020

O general, o óbvio ululante e Bolsonaro





O saudoso Nélson Rodrigues costumava dizer, em uma de suas famosas tiradas que, quando alguém falava algo mais do que o evidente para a compreensão de todos, isso era o "óbvio ululante".

O comandante do Exército brasileiro, general Édson Pujol, fez isso por duas vezes esta semana. Na quinta-feira, 12 de novembro, em uma transmissão ao vivo pela internet, ele afirmou que "os militares não querem fazer parte da política nem querem que a política entre nos quartéis" (https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/13/comandante-diz-que-exercito-nao-e-instituicao-do-governo-nem-tem-partido.ghtml). No dia seguinte, na sexta-feira, 13 de novembro, em um seminário de defesa nacional, promovido pelas Forças Armadas, o general afirmou que "a instituição não pertence ao governo e não tem partido político" (Idem).

Trata-se de um duplo "óbvio ululante", a la Nélson Rodrigues, e um recado muito direto e claro ao presidente Jair Bolsonaro que, nos últimos tempos, vem promovendo seguidos contratempos - para dizermos o mínimo - à ala militar de seu governo, seja por ele mesmo ou através de seus auxiliares, que contam com seu aval. Caso do episódio do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, que apelidou o general Ramos, ministro da Secretaria de Governo, de "Maria Fofoca" e sobre isso, nenhuma reprimenda de Bolsonaro ao primeiro; outro episódio foi o constrangimento público que Bolsonaro fez passar o ministro da Saúde de seu governo, o general Pazuello, no caso da compra das vacinas Corovac, cancelando tal compra e fazendo com que o dublê de general/ministro, em pleno leito hospitalar, afirmasse que se submetia às ordens do presidente. Por fim, a bravata bolsonarista, que virou motivo mundial de piada, da "pólvora" contra os EUA, em recente evento do governo contra o presidente eleito norte-americano, Joe Biden.

Tudo isso tem servido para afastar um pouco mais a ala militar do governo Bolsonaro e justificar as falas do Comandante do Exército brasileiro, Édson Pujol, nesse tom nos últimos dias. Porém, ao mesmo tempo em que as falas são duras contra o governo, revelam-se contraditórias. Isso porquê o Exército, em especial dentro das Forças Armadas de nosso país, tem uma presença marcante no interior do governo federal, a maior desde a ditadura militar, só comparável à gula do "Centrão" por cargos no governo. E não parece disposto a abandonar sua presença nestes postos, inclusive em setores extremamente estratégicos, como no Ministério da Saúde.

Só para se ter uma ideia do que isso significa, em julho deste ano, o TCU (Tribunal de Contas da União) fez um levantamento e identificou, na ocasião, que haviam 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo Bolsonaro, mais do que o dobro do que havia em 2018, no governo Temer  (PMDB, à época) -2.765 -, o maior até então.

Esta é a contradição no discurso do general Pujol. Fala o "óbvio ululante", mas não parece disposto a "largar o osso". Para ser coerente com sua fala, deveria ir às últimas consequências e chamar todos seus colegas de farda a abandonarem seus cargos civis na Esplanada e em todos os recantos do país no governo federal e voltarem aos quartéis, que são seus verdadeiros lugares, como ele mesmo afirmou e assim diz a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 142.

Sabemos também, conforme a História nos ensina, seja no Brasil, seja em outros locais, sobretudo na América Latina, que o Exército (e as Forças Armadas de conjunto) possuem "lado" e que, num grau acentuado da conjuntura, esse discurso de "neutralidade" pode desaparecer a qualquer momento. Portanto, ele é simbólico para justificar um momento de crise num governo de ultradireita liberal, que cambaleia num cenário internacional de mudanças, sob uma pandemia de coronavírus, pressionado pela opinião pública nacional e internacional. Assim, não nos impressionemos demais com o discurso de Pujol, mas fiquemos alerta quanto a este tipo de atitude vindo da caserna!!!


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