Jornada Nacional de Lutas, Brasília, 24/08/2011

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A lei 9504/97 e a democracia nas eleições




Eleição após eleição, o tema sempre entra em discussão: a democracia do processo eleitoral brasileiro. Como qualquer outro tema de interesse social, este também é tratado com recorte de classe, posto que veremos neste artigo.
Vivemos, como muitos estufam o peito e afirmam com todo orgulho que possam ter, num "Estado Democrático e de Direito". Resumidamente falando, este tipo de Estado seria aquele construído sobre regras bem definidas e plenamente cumpridas, sendo tais regras (as leis) seguidas e obedecidas por todos os membros que vivem nesse Estado.
Assim, o Brasil se enquadraria neste perfil e seria um "Estado Democrático e de Direito". Afinal de contas, possuímos uma Constituição Federal em vigor há mais de 20 anos, os Estados e Municípios integrantes da Federação possuem cada um, sua própria Constituição, temos também várias leis ordinárias que regem as vidas de todos/as que vivem nesta parte sul do Equador. Além disso, teríamos um regime de governo baseado na sucessão contínua de seus dirigentes por meio de eleições, onde a população tem a condição de, através do voto livre, direto e secreto, de escolher seus representantes em todos os níveis, em todas as esferas de poder (federal, estadual e municipal). É aí que a cada eleição o debate sobre a democracia do processo eleitoral brasileiro surge e ganha fôlego.
Dentre as muitas leis que existem em nosso país, uma delas é 9504/97, que conforme sua ementa, "estabelece normas para as eleições". Esta lei, em pleno vigor, em nome do "Estado Democrático e de Direito", acaba cometendo alguns ataques à própria democracia que ela - e seus criadores - dizem tanto defender.
Basicamente, em dois pontos temos sérias críticas a fazer à referida lei 9504/97. Primeiro, em seu artigo 46, ela afirma literalmente o que segue:
"Art 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:
        I - nas eleições majoritárias, a apresentação dos debates poderá ser feita:
        a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo;
        b) em grupos, estando presentes, no mínimo, três candidatos;"
      Este ponto da lei é motivo de várias interpretações, tanto da parte dos magistrados quanto das emissoras de rádio e TV de nosso país. Aí é que vem o recorte classista que falamos antes. Na imensa maioria das vezes, a interpretação tanto de um quanto do outro (no caso, especialmente por parte das emissoras) é de que só devem ser chamados para os debates entre candidatos aqueles cujos partidos possuam representação na Câmara dos Deputados. Mas a lei 9504/97 não fala isso, ela diz literalmente que “é facultada a transmissão” de debates pelas emissoras e, em elas decidindo fazer, “é assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais”. Portanto, em nenhum momento está colocado na lei que os partidos que não possuam representação na Câmara dos Deputados devam ser excluídos dos debates promovidos por tais emissoras. Além do mais, está bem claro no texto da lei que a decisão final sobre se convoca ou não os demais candidatos sem representação parlamentar é única e exclusiva da emissora!
      Outro ponto de bastante questionamento da lei é o teor do artigo 47, que trata da divisão do tempo entre os partidos no guia eleitoral. Neste artigo, em seu parágrafo 2º, está estabelecido literalmente o seguinte:
“§ 2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do parágrafo anterior, serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato e representação na Câmara dos Deputados, observados os seguintes critérios :
        I - um terço, igualitariamente;
        II - dois terços, proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integram.”
      Sobre esses dois pontos, observamos o seguinte: a respeito da divisão do tempo entre os partidos no guia eleitoral, existe uma distorção nesta baseada num definidor político que em nada justifica tal divisão. O balizador, segundo a lei, é a representação parlamentar na Câmara dos Deputados adquirida no processo eleitoral específico que determinou a composição daquela Casa Legislativa. Porém, sobre isso há duas considerações a se pensar: 1º) o resultado eleitoral obtido por um partido em um processo eleitoral é fruto de um momento político, onde aquele partido soube aproveitar-se e capitalizar a insatisfação do eleitorado e, com isso, ampliar sua influência no parlamento. Isso em nada está garantido que se perpetuará nos próximos 4 anos, afinal a conjuntura muda e o partido que hoje está na crista da onda pode perfeitamente estar no fundo do poço em pouco tempo; 2º) por esse critério da lei 9504/97, o partido pequeno hoje nunca terá condições efetivas de crescer, pois com uma disparidade enorme na distribuição do tempo no guia eleitoral, como esses partidos terão condições de se apresentar para a população em geral e expor suas ideias? Fica muito difícil fazer isso.
      Observemos o atual processo eleitoral em João Pessoa. Nossa candidatura, pelo estabelecido na lei, ficou com 1 minuto e 25 segundos para apresentar suas ideias para o eleitorado pessoense. Na mesma eleição, Estelizabel (PSB) teve quase 8 minutos para fazer a mesma coisa. Isso é justo? Isso é democrático? Quando reclamamos, alguns tratam com desdém e encolhem os ombros, achando que reclamamos demais. Porém queremos apenas que haja um tratamento igualitário. Se nos é permitido lançar candidaturas, porque essa distorção?
      Sobre a participação nos debates das emissoras de rádio e TV, há que se dizer uma coisa antes do que está colocado na lei: essas emissoras são concessões públicas garantidas pelo Estado, ou seja, o Estado brasileiro garante que, por alguns anos, empresários do ramo da comunicação tenham a condição de investir na construção de uma emissora de rádio ou TV. Mas aquele espaço é do Estado brasileiro que, a qualquer momento, pode decidir por retomá-lo.
      A desculpa usada pelas TV’s Cabo Branco e Correio, neste atual processo eleitoral, de não nos chamar para seus debates de TV e rádio, é injustificável, do ponto de vista da análise da lei, que é o argumento usado por tais emissoras. Por dois motivos: 1º) porque a lei, como vimos, não impede que nós sejamos chamados a participar de tais debates; 2º) se assim fosse, não teríamos sido chamados pelas TV’s Arapuan, Clube e Tambaú para participar dos debates que elas promoveram.
      A decisão das duas emissoras – Cabo Branco e Correio – é de se lamentar porque atentam contra a democracia que ambas dizem defender e também por impedir que a população efetivamente tenha acesso à informação e possa, assim, decidir seu voto. Com este gesto, as TV’s Cabo Branco e Correio chamam pra si a responsabilidade de dizer ao eleitorado pessoense em quem eles devem escolher para governar sua cidade, extraindo essa condição do povo telespectador.

João Pessoa, outubro/2012.

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